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  • Foto do escritorLarissa Tassin

Sexismo lacrador e irresponsável 03

Atualizado: 15 de fev. de 2022

Na última sexta-feira (4/2), o deputado Eduardo Bolsonaro postou um tweet em que questionava a construtora Acciona, responsável pela obra que causou o desabamento de um trecho do asfalto na Marginal Tietê, em São Paulo.


Até aí, tudo bem, certo? Parece justo que um deputado federal faça esse tipo de questionamento. Mas, olha o tweet:

Por que o filho do presidente escolheu olhar para essa questão sob uma perspectiva de gênero? É sobre isso que esse editorial vai refletir hoje. O texto será longo, então, prepare-se e leia com atenção!


Por que olhar para essa questão sob a perspectiva do gênero?


Há muitas possibilidades para essa pergunta. Podem ser crenças limitantes do próprio deputado, adquiridas ao longo de toda a sua vida. Pode ser a escolha proposital de fazer um tweet irresponsável e lacrador (termo que a extrema Direita usa para se referir a conteúdos cujo único objetivo é o engajamento, seja ele bom ou ruim). Ou pode ser um misto dos dois. Só que isso são apenas suposições.


Mas, com as informações que se tem em mãos, pode-se fazer uma análise de alguns pontos. Veja:


"Procuro sempre contratar mulheres" é a primeira frase do tweet. É uma citação retirada de um vídeo institucional da própria Acciona, chamado Mulheres na Infraestrutura:

O vídeo da empresa refere-se a um programa de inserção de mais mulheres no mercado da construção civil, chamado "Mulheres na Construção". Programas assim são muito comuns em empresas de todos os tamanhos e países.


Eduardo Bolsonaro começa seu tweet com essa citação como uma provocação. Pois, logo em seguida ele completa "Mas por qual motivo? Homem é pior engenheiro?". Como se a escolha de contratar mais mulheres causasse a não-contratação de homens.


Quando na verdade, é o oposto. Programas assim são criados quando se percebe uma desigualdade (racial ou de gênero) no corpo de colaboradores de uma empresa. Só que cabe a cada organização criar programas de igualdade estruturados, transparentes, justos, honestos e garantir a aplicação deles de forma plena.


Meritocracia


O segundo aspecto desse tweet é a meritocracia. É um senso comum que sabemos o que é meritocracia e que ela funciona muito bem para todos. Normalmente, quem acredita nela não aceita ouvir outros pontos de vista, ainda que comprovados cientificamente.


Mas, afinal... O que é meritocracia?


É uma corrente de pesamento que justifica a distribuição de recursos e a hierarquia social com base nos esforços e habilidades de cada indivíduo. O famoso "é só trabalhar muito que fica rico", sabe?


A etimologia da palavra mostra seu significado. Meritum, em latim, quer dizer "mérito" e o sufixo "cracia" vem do grego kratia e significa "poder". Portanto, meritocracia nada mais é que o "poder do mérito". Isso numa análise rápida retirada da internet do site Significados. Linguistas de plantão podem contribuir se souberem algo mais sobre a origem da palavra.


Ao pesquisar sobre a origem social do termo, há um certo consenso que foi utilizada pela primeira vez na obra do sociólogo britânico Michael Young, The Rise of the Meritocracy (1958), curiosamente uma distopia satírica de uma sociedade baseada em medições padronizadas de capacidade. Fontes: um artigo científico, Super Interessante e etimologia.com.br.


A meritocracia é um dos pilares do liberalismo, que é a corrente filosófica/econômica defendida por Eduardo Bolsonaro e seus apoiadores. Só que de Karl Marx a Milton Santos, temos um rol grandioso de estudiosos renomados que provaram em suas pesquisas que a meritocracia é um sistema falho em uma sociedade com tantas desigualdades.

Ideologia "sem comprovação científica"


"Quando a meritocracia dá espaço para uma ideologia sem comprovação científica o resultado não costuma ser o melhor"

Temos muitas definições para "ideologia". Mas, a mais usual é baseada no pensamento marxista proposta pela filósofa brasileira Marilena Chauí:


“um conjunto lógico, sistemático e coerente, de representações (idéias e valores) e normas ou regras de conduta que indicam aos membros da sociedade o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer” (CHAUÍ, 1981, p.11).


Essa ideologia a que o deputado se refere são conjuntos de ideias, valores, normas e regras de condutas sociais sobre o que e como devemos viver. Indiretamente, ele se refere ao feminismo porque foi esse movimento social que iniciou a busca por igualdade da força de trabalho há muitos séculos.


O resto da frase é bastante triste e reflete um pensamento constantemente endossado por políticos brasileiros: não enxergar as ciências humanas e sociais como ciência. Ao falar que essa ideologia não tem comprovação científica, ele desqualifica e minimiza o trabalho de profissionais sérios, reconhecidos, devidamente titulados e que dedicam anos em pesquisas que comprovam fatos que não são agradáveis de ouvir, principalmente quando se está em uma posição de poder e não se é atingido pelas desigualdades.


Inclusive, se você quiser se aprofundar, deixo aqui a sugestão de um livro que traz comprovações científicas e propostas de melhorias para a divisão sexual do trabalho e suas desigualdades:

"Independente da sua cor, sexo, etnia e etc"


Essa frase parece linda, né? Aquece o coração se você lê ela rápido e jura que é uma frase justa, positiva e que faz muito sentido. Afinal, temos que parar de olhar as pessoas por "cor, sexo, etnia e etc" e olhar que somos todos humanos.


Se você pensa assim, eu respeito. Também já pensei assim, mas, aprendi a duras penas que sermos todos humanos não isenta os negros do racismo estrutural, pessoas com deficiência de capacitismo e qualquer grupo que não segue o padrão eurocêntrico de ser marginalizado e excluído.


Aliás, essas diferenças acabam por desumanizar negros, LGBTQIA+, PCDs, mulheres, indígenas ou qualquer ser humano que seja diferente do que é considerado padrão. Olhar para essas diferenças é importante para o reconhecimento e inserção dessas pessoas. O acesso deve ser pleno em todos os âmbitos. Consegue entender?

Mas, e o acidente?

Uma cratera se abriu na Marginal Tietê após o asfalto ter cedido ao lado da obra do Metrô da Linha 6-Laranja, na Marginal Tietê, na Freguesia do Ó, na Zona Norte de São Paulo, na manhã desta terça-feira (1º). Não houve feridos. Dois funcionários que tiveram contato com a água que jorrou do acidente foram socorridos pelos bombeiros. 
O desmoronamento ocorreu por volta das 9h, antes da Ponte do Piqueri, no sentido Ayrton Senna, ao lado de um poço cavado construído entre as futuras estações Santa Marina e Freguesia do Ó. Ao longo da manhã, o buraco aumentou de tamanho.
De acordo com o secretário dos Transportes Metropolitanos, Paulo José Galli, o vazamento de uma galeria de esgoto causou o acidente. Segundo Galli, provavelmente o solo não suportou o peso da galeria, que passava 3 metros acima da máquina conhecida como "tatuzão" e acabou se rompendo.
Ainda de acordo com o Galli, o "tatuzão" não atingiu a tubulação. Ainda não se sabe o que causou o vazamento. O governo investiga as causas. Fonte: G1 

Esse infeliz acidente aconteceu. A empresa Acciona realmente é a responsável pela obra que estava sendo realizada naquela região. As autoridades competentes estão investigando as causas disso tudo para que os responsáveis sejam punidos seja pela negligência, seja pela imperícia, seja pela imprudência.


Estamos no Brasil, já acompanhamos vários e vários e vários acidentes que poderiam ter sido evitados que não tiveram um desfecho tão justo quanto se poderia ter. E também não é a primeira cratera que se abre no asfalto de São Paulo devido a obras subterrâneas.

 Uma cratera foi aberta em uma rua da Mooca, na Zona Leste da capital paulista nesta terça-feira (8). 
O vídeo enviado por uma telespectadora mostra um buraco de pelo menos três metros aberto na rua. O asfalto com a faixa de pedestres desabou e é possível ver água dentro do buraco.
No início da tarde desta terça, agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) estavam no local orientando os motoristas. 
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) foi acionada e enviou uma equipe técnica ao local. Um vazamento foi constatado na rede de água. O trecho foi isolado para o início dos trabalhos de reparo. Fonte: G1/2022
Na última sexta-feira (12), um desmoronamento no canteiro de obras da expansão do Metrô de São Paulo provocou a abertura de uma cratera de 80 metros de diâmetro às margens da Marginal Pinheiros, na Zona Oeste da Capital.  
O acidente ocorreu no local onde está sendo construída a Estação Pinheiros, por onde passará a Linha 4-Amerela. Desde sexta-feira, equipes de resgate do Corpo de Bombeiros trabalham para localizar sete pessoas que teriam sido soterradas no desabamento. Fonte: G1/2007 

O problema de crateras que se abrem em São Paulo devido a obras subterrâneas é complexo, envolve discussões sobre infraestrutura da cidade, licitações de contratação dessas empresas e muitos outros aspectos da administração pública e privada. Mas, analisar um fato isolado sob a perspectiva de gênero porque a empresa envolvida tem um programa de contratação de mulheres é, no mínimo, picaretagem.


 

A imagem de capa deste artigo é de Adriano Machado/Reuters.

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